quinta-feira, 29 de novembro de 2007

É preciso também não perdoar

É preciso também não perdoar

Uma entrevistada do programa da BBC, Inglaterra, na Hora das Mulheres, falou sobre suas experiências como prisioneira de guerra:
- Quando uma pessoa já experimentou muitos sofrimentos, sabe apreciar as fraquezas e as boas qualidades até mesmo dos próprios inimigos. Por que deve ser nosso inimigo completamente mau, ou a vítima completamente boa? Ambos são criaturas humanas, com o que é bom e o que é mau. E creio que se apelarmos para o lado bom das pessoas teremos êxito, na maioria dos casos.
Sei o que ela quis dizer, mas está errado. Há uma hora em que se deve esquecer a própria compreensão humana e tomar um partido, mesmo errado, pela vítima, e um partido, mesmo errado, contra o inimigo. E tornar-se primário a ponto de dividir as pessoas em boas e más. A hora da sobrevivência é aquela em que a crueldade de quem é vítima é permitida, a crueldade e a revolta. E não compreender os outros é que é certo.

UMA VEZ EREI...

Clarice Lispector
(Ucrânia, 1925 - Brasil, 1977)

Uma vez irei...


Uma vez irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma desta vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos, com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria...

domingo, 4 de novembro de 2007

Um Sopro de Vida.

"O que sinto não é traduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio."

"Eu te amo tanto como se sempre estivesse dizendo adeus."

"Quando estou distraída, caio na sombra e no oco e no doce e no macio nada-de-mim. Me refresco. E creio."

"Não caio na tolice de ser sincera."

"Não consigo compreender para os outros. Só na desordem de meus sentimentos é que compreendo para mim mesma e é tão imcompreensível o que eu sinto que me calo e medito sobre o nada."

"Só me abraças forte demais quando queres mas nunca adivinhas quando eu quero."

"Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o beco sem saída."

"De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser."

Clarice Lispector - Água Viva

"Eu é que estou escutando o assobio no escuro. Eu que sou doente da condição humana. Eu me revolto: não quero mais ser gente. Quem? quem tem misericórdia de nós que sabemos sobre a vida e a morte quando um animal que eu profundamente invejo - é inconsciente de sua condição? Quem tem piedade de nós? Somos uns abandonados? uns entregues ao desespero? Não, tem que haver um consolo possível. Juro: tem que haver. Eu não tenho coragem de dizer a verdade que nós sabemos. Há palavra proibidas.Mas eu denuncio. Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer - e respondo a toda essa infâmia com - exatamente isto que vai agora ficar escrito - e respondo a toda essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. Uma alegria atonal dentro do it essencial. Não faz sentido? Pois tem que fazer. Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas - porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável.Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou - apesar de tudo, oh, apesar de tudo -, estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencida: então eu amo. Como resposta. Amor impessoal, amor it, é alegria: mesmo o amor que não dá certo, mesmo o amor que termina. E a minha própria morte e a dos que amamos tem que ser alegre, não sei ainda como, mas tem que ser. Viver é isto: a alegria do it. E conformar-me não como vencida mas num alegro com brio. Aliás não quero morrer. Recuso-me contra "Deus". Vamos não morrer como desafio?Não vou morrer, ouviu, Deus? Não tenho coragem, ouviu? Não me mate, ouviu? Porque é uma infâmia nascer e morrer não se sabe quando nem onde. Vou ficar muito alegre, ouviu? Como resposta, como insulto. Uma coisa eu garanto: nós não somos culpados. E preciso entender enquanto estou viva, ouviu? porque depois será tarde demais."